Oi, . Tudo bem?
Essa edição da Fega tá 100% dedicada a uma das nossas paixões: a bicicleta. Mesmo se você não é ciclista ou não sabe andar de bicicleta (talvez essa edição possa fazer você querer aprender), fica aí, passa um chá, que garantimos que vale a pena!
Cassimila e Sarah
Vaca Profana
A Vaca Profana dessa edição tá um pouco diferente. Sempre procuro colocar aqui histórias de mulheres que me tocam profundamente. Às vezes, como foi a Pamela Anderson na Fega passada, eu passo o mês inteiro pensando no que vou escrever já conhecendo minha heroína do momento. Em outras, eu simplesmente não tenho ideia e a inspiração aparece na pressão. Mas, a de hoje, eu passei o mês pesquisando e tinha tanta opção e quando achei que eu tivesse me decidido, juntei meus links com minhas informações e pá: mudei de ideia quando sentei para escrever. Antes de homenagear qualquer mulher que tenha feito história no ciclismo e aberto caminho para o feminismo, entendi que a real homenageada dessa vez tem de ser ela, a própria, a dona bicicleta. E digo dona porque séculos atrás ela já abria caminho para luta feminista, emponderando mulheres. “A bicicleta fez mais pela emancipação das mulheres que qualquer outra coisa no mundo”, diz a célebre frase da sufragista Susan B. Anthony. Lá em 1885, quando surgiu o primeiro modelo de bike mais parecido ao que conhecemos hoje, o sucesso foi total. No entanto, as mulheres tinham dificuldade ao sentar por conta daquele tanto de roupa que usavam. Logo, o jeito foi diminuir a quantidade de “pano” nas vestimentas femininas e usar roupas mais confortáveis. Foi assim que o primeiro modelo de calça para mulheres, muito popular entre as sufragistas, passou também a ser adotado por quem pedalava, porém, debaixo das saias. Claro que foi um escândalo, mas a popularidade das bicicletas era ainda maior que qualquer polêmica. Quase 10 anos depois, em 1894, Annie Cohen Kopchovsky foi a primeira mulher a dar a volta ao mundo PEDALANDO! No ano seguinte, nos EUA, foi criada a primeira associação de sufragistas e entre os direitos que reivindicavam era o voto feminino. E, sabe como elas percorriam as cidades convocando outras mulheres? Sim, em cima de uma bicicleta. (SM)
Um grupo de minas
Dois séculos depois da popularização da bicicleta, me vejo na companhia de outras trintaetantas mulheres em cima de uma bike percorrendo diferentes caminhos, com shorts de lycra, consciente do privilégio que é poder sentir o vento na cara numa descida veloz de bicicleta. Talvez este texto fique um pouco confuso, mas é que eu começo a escrever sobre isso e me emociono tentando colocar em palavras o que se sente estar em um grupo de minas que se reúne para pedalar umas quantas vezes na semana. No final de 2020, quando a Covid-19 deu uma leve folga aqui em Tijuana, meu marido insistiu muito que eu fosse conhecer um grupo de ciclistas que se reunia toda quarta-feira à noite para pedalar pela cidade. Eu não sou uma pessoa muito sociável e ficar em casa era muito confortável para mim num ponto que não era saudável. Era dezembro, fazia um frio de deserto horroroso. Colocamos a bicicleta no carro e fomos. Eu não conhecia ninguém, mas fiz todo o percurso de 8 km, nível fácil, e odiei, francamente. Só que tinha algo ali que superava a dificuldade de percurso que me fez voltar toda semana. Estar entre mulheres é tão reconfortante que você chega a esquecer o sofrimento de uma subida muito inclinada ou a vergonha de não saber usar a marcha direito. Estar num espaço confortável, seguro, de acolhimento, com pautas em comum, compensa qualquer desconforto. Aliás, qual desconforto? Nisso, você vai melhorando sua resistência também. Pode ser que você não consiga acompanhar o grupo nas primeiras vezes, mas em poucos quilômetros, lá estão elas te esperando, aplaudindo, fazendo vídeos daquele momento que você superou, que você alcançou. Nas poucas vezes que pedalei em grupo misto, a diferença é nítida. Sempre tem um homem que vai te desqualificar, perguntando: “Mas e se seu pneu furar?” ou “Nossa, sua amiga nem te esperou” e outros comentários que te fazem perceber de onde realmente nasceu a “rivalidade feminina”. Nosso “Un grupo de Morras” está prestes a completar três anos. Muita coisa mudou durante este tempo e é muito compensador ver o quanto amadurecemos como mulheres e ciclistas, pedalando juntas e torcendo umas pelas outras. (SM)
Depoimento Vespas
Seguindo o tema com outro grupo de mulheres em cima de bicicletas, convidei minha amiga Camila (@camilamuto), que anda pedalando por São Paulo com as Vespas, saindo quartas-feiras às 20h30 da Praça do Ciclista na Paulista. (CE)
Cassi me pediu para escrever sobre “como é e como me transformou pedalar num grupo de mulheres”. É difícil que às vezes quanto mais temos coisas a dizer, mais as palavras nos faltam, porque elas parecem soar um tanto genéricas demais para transmitir algo que é profundamente pessoal.
Parto desse lugar para dizer que estar num grupo de mulheres me trouxe um senso de pertencimento e, ao mesmo tempo, de singularidade. Em um momento em que a maioria das minhas amigas estava casada e se tornando mãe, encontrar um grupo de mulheres com escolhas, perfis e trajetórias diversificadas, convivendo e trocando suas experiências me trouxe uma perspectiva mais ampla sobre as minhas próprias possibilidades. Fazer parte no convívio das diferenças, sem todo aquele sentimento de inadequação e esforço para se encaixar numa determinada forma me trouxe mais coragem e segurança, e até mais naturalidade, para explorar os meus desejos e necessidades.
E ser um grupo de “pedal” traz uma peculiaridade, né? Somos um grupo de mulheres que anda de bicicleta na rua à noite em São Paulo. Ou seja, em um contexto que quase grita que não somos bem-vindas - pelos riscos do trânsito, da violência, do assédio, de todos os “perigos” aos quais uma mulher está especialmente exposta - nos unimos para resistir juntas. E essa experiência nos provoca por dentro: “se eu posso fazer isso, o que mais eu posso fazer – o que mais nós podemos fazer?”.
O grupo que me trouxe uma perspectiva de autocuidado feminino para além do skin care e das visões tão mercantilizadas que nos dizem para nos cuidar para ser e estar agradável para o outro. É um grupo que preza muito pelo cuidado uma da outra - se fura um pneu o grupo para e ajuda a trocar, se alguém tem o sonho de fazer uma cicloviagem tem outras dispostas a trocar experiências... E muitas vezes precisamos ter uma postura impositiva. Há momentos que precisamos dar uns gritos no trânsito, responder falas de assédio, retrucar motorista que nos manda ir para a ciclovia, e exercer esse outro autocuidado que não é tão palatável - principalmente quando estamos falando de mulheres - de cuidar de si colocando limites no outro.
E uma outra camada vem da bicicleta, que tem essa capacidade de agregar atividade física, lazer, mobilidade, convívio social, diversão, ocupação de espaços públicos... Tantas coisas que fazem questões como performance, competição ou emagrecimento, que costumam estar tão atreladas aos esportes ficarem em segundo plano de uma forma libertadora. Não importa muito o resultado, estar pedalando pela cidade já é em si tudo o que eu busco.
Pensar e escrever sobre tudo isso me lembrou uma frase da Audre Lorde: “as ferramentas do senhor nunca derrubarão a casa grande”. As Vespas para mim é isso, um espaço para romper com as ferramentas do senhor, e fazer isso juntas faz toda a diferença.
Como eu vim parar aqui?
Em maio de 2022 eu fiz meus primeiros 80 KM de bicicleta. Até então, andar mais de 50 KM de bike era algo que sequer cogitaria. Aprendi a andar de bicicleta bem novinha e ela foi meu meio de transporte durante toda a adolescência. Houve um hiato de 16 anos entre a última vez que montei numa bicicleta e aquela noite congelante de dezembro de 2020. Eu só não contava que o bichinho do ciclismo fosse me picar. Ser ciclista não estava nos meus planos. Aconteceu. E eu ia tentando juntar lé com cré enquanto pedalava pelas estradas que ligam Rosarito a Ensenada, aqui no estado da Baja Califórnia, no México, durante o passeio anual de 80km. Eu pedalava e tentava entender todos os movimentos que o universo fez para que eu topasse entrar nesse desafio, com subidas que fazem muitos ciclistas experientes e com bikes caras desistir e simplesmente terminar o percurso caminhando. Aquelas 3h50 que fiquei em cima da minha bicicleta, sem parar, sem pensar se sentia dor, foram mágicas. Eu estava no norte do México. De um lado, o Oceano Pacífico e do outro, montanhas, que eu escalaria pedalando logo menos. Uma paisagem absolutamente incrível, com outras mil pessoas fazendo o mesmo que eu, todas a seu ritmo, mas dispostas de uma força de vontade que só o ciclismo pode proporcionar. No quilômetro 60 começou a tocar “Tu Vens”, do Alceu Valença, no celular que coloquei no guidão e aí, eu desabei. Pedalava e chorava. Absolutamente levada por uma sensação de gratidão à vida, ao meu corpo, que todo aquele meu pensamento de tentar entender minha jornada até ali simplesmente deixou de importar porque passou a fazer sentido. Eu superei! Quebrei a barreira dos 60 km. Eu estava no mais alto do percurso e com uma bike muito da honesta. A partir dali era só descida, curtir a velocidade, o vento na cara, cantar toda a minha playlist a plenos pulmões. Se antes nada daquilo tinha sido parte dos meus planos, a partir daquele momento fiz um pacto com o universo e, juntos, planejamos percorrer sobre duas rodas muitos mais quilômetros. (SM)


Transição para o veganismo #4
Virei vegana ao mesmo tempo que decidi usar a bicicleta como meio de transporte diário. Foi um salto em direção ao que eu amava e poderia ser: compassiva com os animais, com a cidade e comigo. Saindo de um relacionamento que me diminuía e parando com os lácteos como contei aqui, eu expandi anos-luz: foi uma injeção de autonomia e energia.
Sem ser piegas, mas sim eu superei além do monte de vozes dizendo “é impossível ser vegan”, o monte de vozes dizendo “essa cidade é péssima para bike”. Tudo possível.
Em vez de pegar metrô, ônibus, eu pegava minha bike, no meu tempo, no meu caminho, super disposta e era pura autonomia e ocupação das ciclovias relativamente novas de São Paulo. Fazia no mínimo 16 km por dia, o ir e voltar do trabalho. Mas se eu ia visitar a Sarah (quando ela morava aqui) ou fazer aula de yoga, já podia dar uns 21km, se eu tivesse aula de canto, já virava uns quase 30 km. Se fosse dia de happy hour, eu voltava tarde para casa, com iluminação adequada, feliz da vida com tanta autonomia, presenciando a cidade como se fosse pequena, quieta. A cidade parecia menor quando eu montava minha bike. Foram uns 4 anos assim.
Unir bike ao veganismo me trouxe na prática a resposta para todos os chatonildos que perguntavam pela minha saúde: eu cheia de energia e saúde, pedalando para cima e pra baixo, com os braços bronzeados, cabelos queimados de sol, vitamina D pleníssima como nunca.
Reforço que antiespecismo e veganismo não é dieta, é filosofia e estilo de vida muito possível que entende que defender ciclovias, mais bicicletas, menos carros, menos avião, mais transportes coletivos de qualidade, é menos combustível queimando, poluindo, subindo a temperatura mundial, derretendo geleiras, menos uso de recursos naturais (mesmo a energia elétrica é um problema). A vida de tantos animais está em risco (também somos animais).
Para saber um pouco mais: veículos elétricos não são a salvação ecológica. (CE)
Dicas para ir trabalhar de bicicleta
Sobre roupas e suor: no começo eu levava roupa para trocar (só uma camiseta já tá de bom tamanho), depois, peguei a malícia de usar roupas versáteis que servem para tudo e mantinha uma “água de colônia” no trabalho, ou na mochila, para dar aquele frescor (nunca ouvi tantos elogios ao meu “perfume” como nesses tempos). Também tinha uma saia no trabalho para trocar nos dias mais quentes.
Sobre pochetes, mochilas e bagageiros: sim, todos! Um bagageiro vai ser especialmente importante quando você tiver planos de passar no mercado.
Sobre bicicletários: compre uma trava das boas, firmes, tipo U-Lock e encontre bicicletários pelo caminho. Sem encontrar, peça que instalem nos lugares que você frequenta. Lutei por uns anos ( 2 talvez) por um bicicletário no trabalho e conseguimos! Isso vai te dar mais tranquilidade para por exemplo sair para almoçar de bike (como eu fazia com meu bff) em restaurantes veganos que ficam um pouco mais longe.
Sobre lanchinhos: veganos comem mais e pedalando então, a fome vem que vem, ou seja, carregue um lanchinho extra. Pedalando diariamente foi a fase da minha vida que eu mais comi banana com castanha do pará (belíssima e prática combinação).
Na chuva: com horário flexível você consegue driblar as chuvas, mas me ajudou muito ter capinha de chuva na mochila e uma capa de chuva pra mim, fina mesmo, sempre à mão. Se o dia era chuvoso eu já saía até de galocha (mantinha um sapato mais fresco no trabalho para trocar) e boné (para proteger os óculos de míope). Numa dessas encontrei com a grande Renata Falzoni, ícone do cicloativismo, que no centro de SP agradeceu meus elogios e disse algo como “de bike nessa chuva só a galera mais firmeza”. Beijo, Renata! <3 (CE)
Tem que ler
80.
por que viajar de bicicleta? (III)
É incorreto o que dizem. Meio de transporte terrestre: não.
Olhe bem.
Enquanto pedala, seu pé não fica na terra. Um círculo e depois outro círculo no ar. Se o vento está a favor e o caminho é plano, o que acontece é que a gente flutua.
Um dia os cientistas vão corrigir os erros antigos e ampliar o conceito de voo. Bicicleta, na verdade, é um tipo de balão.
Esse “Tem que ler” especial bicicleta está reservado faz tempo para a querida Mariana Carpanezzi, ou, Surina Mariana. Se você já seguiu nossa dica de fegas atrás de acompanhar a news e as artes do Sofá da Surina, você pode já ter lido até o especial dela sobre bicicletas (imperdível aqui).
No livro “O mundo sem anéis: 100 dias em bicicleta” lemos um relato de viagem poético e envolvente pela península ibérica, que acontece assim meio que de repente, se desenrolando natural, como se fosse o destino. Tem paisagens deslumbrantes, perrengues, solidão, grandes encontros, dicas para mulheres aspirantes a viajantes em bicicleta, e tem uma mulher se entendendo na vida, encontrando caminhos, com seu olhar meditativo. É lindo. (CE)
Um miniconto inédito para vocês
Nazoca
– Fugueta, é isto que tua filha é, uma fugueta! O Senhor me perdoe, mas não vou mais querer tua filha para casar não, porque eu fiquei sabendo o que ela anda a fazer.
Tudo bem, eu disse “está tudo bem”. Por dentro minha risada era bem escandalosa.
Égua! Eu é que num vou ficar com saudade desse namoro noivado sentado vigiado, a conversinha safada pra mim era é pouca!
Podes me chamar de fugueta, sou fugueta sim, podes me chamar de piveta, sou piveta sim, podes me chamar rapariga de shorts, por debaixo da saia, pois não tem ordem sem pé que eu não reverta em Abaeté. Digo “Sim, Senhora” só à mãe, boa mãezinha, mas Deus há de concordar que na regra divina, tal regra não há. Fugueta sou fugueta, mulher moça pedala bicicleta e continuará a pedalar.
Série Minha família
Minicontos de personagens familiares
Cassimila Eznab
Lindo! Participei das Pedalinas por um tempo (faz 10 anos, https://pedalinas.wordpress.com), foi das experiências mais bonitas daquela época. Faz tempo que não pedalo. Quem sabe não me animo?