Oi, tudo bem?
De tempos em tempos é legal a gente relembrar quem somos, não é? Se você é nova por aqui, seja bem-vinda. A Feganismo é uma newsletter mensal, que chega para você sempre no último dia do mês. Aqui, a gente tenta trazer um conteúdo que possa unir todo o ecossistema do veganismo e também do feminismo. Pode parecer impossível conectar esses temas, né? Mas, acredite, estamos há 3 anos nesse hobby e nunca nos faltou.
Tudo o que você vê aqui nasce de conversas informais, porém não menos profundas, entre mim, Sarah, e a Cassimila. Amigas há mais ou menos uns 20 anos e que nem mesmo a distância física, já que eu moro em Tijuana, México, e ela em São Paulo, foi capaz de murchar essa amizade.
Esperamos que siga conosco pelo tempo que estivermos aqui.
Um beijo,
Cassimila e Sarah
VACA PROFANA
Em 2019, Dandara dos Palmares foi nomeada oficialmente como Heroína da Pátria. A história dessa guerreira, que foi esposa de Zumbi dos Palmares, é cercada por mistérios e a documentação sobre ela é escassa. Até porque, o protagonismo ficou com Zumbi. Mesmo sem conhecer o seu rosto, o que se sabe sobre ela é que Dandara dominava a arte da capoeira e liderava tropas de mulheres e homens quilombolas para lutar contra a escravidão. Inclusive, sabe-se também que ela foi fundamental para o desenvolvimento de plantações quilombolas de mandioca, milho, cana e banana. Sua importância política na luta dos quilombolas e para um modo de vida harmônico entre sua comunidade é tão grande que chega a outros países. Dandara dos Palmares dá o nome a uma comunidade de residência artística, a “Dandara dos Palmares International Black Feminist Fellowship”, uma iniciativa recém criada que concede bolsa de 6 meses a artistas negras do mundo todo. A primeira a participar é a pesquisadora de imagens baiana Anastácia Flora Oliveira. Se você se interessou pela bolsa ou se conhece alguma mulher que poderia se encaixar perfeitamente para participar, manda o link acima para ela. ;) (SM)
CONTRASTES URBANOS
Todas acompanhamos ou vivenciamos muito de perto o que aconteceu no Rio Grande do Sul em maio e, infelizmente, sabemos que os transtornos com as enchentes estão longe de ser solucionados. Do dia para noite, qualquer uma de nós podemos nos encaixar na categoria “refugiado climático”. Por mais que busquemos alternativas no cotidiano para viver melhor, temos de confrontar a realidade que muitas coisas já não podem mais ser solucionadas. E, por isso, quero apresentar a vocês duas cidades que, para mim, são extremos opostos sobre o gerenciamento do meio ambiente. (SM)
Salton Sea
Salton Sea é o maior lago da Califórnia. Fica bem pertinho de onde é realizado o Coachella e fica a umas duas horas e meia de San Diego. Portanto, é um lago gigantesco no meio do deserto. O detalhe é que Salton Sea é um lago artificial, feito no início do século passado. Explicando resumidamente e de maneira grosseira, um fulano chega ao local, se depara com terras não exploradas e tem a brilhante ideia de desviar água do Rio Colorado e criar um lago artificial para vender terrenos ao seu redor. Especulação imobiliária. E foi o que aconteceu. Com isso, levou também alguns peixes e foi-se criando um “bioma”, também artificial. Acontece que o clima do deserto, a falta de manutenção adequada e, claro, mudanças climáticas, foi deixando o lago cada vez mais seco e sem vida. Hoje, ao passear por lá, é possível ver carcaças e mais carcaças de animais mortos às margens do lago, o que faz com que o cheiro não seja agradável. Claro, é proibido nadar ou pescar e o que ficou do lago serve como abastecimento - quando tratado - para cidades maiores, como Los Angeles e San Diego. Os moradores que vivem perto de Salton Sea sofrem de doenças respiratórias. Imagina toda a poeira que os ventos do deserto levantam daquela água podre e leva por aí? E, ao redor do lago, restam uns quantos trailers de pessoas que decidem viver fora do radar do “sistema”, sem água encanada ou energia elétrica. Neste documentário você pode saber todos os detalhes sobre o que acontece nesse lugar.
Afuá
Na outra ponta dessa história encontra-se Afuá, na Ilha do Marajó, no Pará. Eu não conhecia esta cidadezinha de quase 40 mil habitantes até assistir a um episódio do programa “Avisa lá que eu vou”, com Paulo Vieira, e fiquei um tanto quanto obcecada. Em Afuá não existem carros, apenas bicicletas ou lanchas e é carinhosamente apelidada de Veneza Brasileira, já que é construída em palafitas, acima do rio. Os moradores cuidam da cidade e respeitam a regra de usar apenas bicicletas ou barcos para andar por aí. Além disso, como conta um dos moradores neste vídeo sobre o lugar, tratam de respeitar o meio ambiente e, o principal problema que a pequena cidade enfrenta, é o acúmulo de lixo em alguns lugares, mas que isso tem sido cada vez menos recorrente. É uma pena que não exista tanto conteúdo sobre Afuá como gostaria, mas, sem dúvida, já faz parte dos lugares que preciso conhecer.
TEM QUE LER
Boi da cara branca pega essa menina que tem medo…
Boi
Boi
Minhancestra chegara aonde luz apodrecia.
Lá, a madrugada se esquecera de cortar as horas.
O que passa sob meus pés?
Parece que não há mais rio. Apenas lama.
Parece que o rio foge feito olho que não quer saber.
Parece que estremece o olho que quer ver.
Mãe, tu, que és lâmpada, faz com que o rio regresse.
Faz com que sua água me sustente.
Louças de Família é um romance superpotente de Eliane Marques publicado em 2023. Eliane é escritora, tradutora e psicanalista gaúcha, nascida na fronteira com o Uruguai. A partir da morte de uma das tias, a narradora, Cuandu, conversa com a leitora, vasculha a história da família, de pessoas escravizadas, até os dias de hoje, pessoas que servem os brancos, pessoas que deixam para trás suas religiões de matriz africana, homens e mulheres e seus modos de sobrevivência. Cuandu traz reflexões sobre questões sociais, suas sessões de análise, pesquisa palavras, mistura português, espanhol, iorubá, e segue um caminho muito particular e especial para nos trazer para perto da sua revolta. É livro para ler aos poucos, digerindo o que for possível de tamanha angústia. Fiquei muito tocada, impactada e com um livro cheio de grifos e marcas, desses que fica difícil de emprestar depois. Obrigada, Eliane. (CE)
CAÇANDO COGUMELOS SILVESTRES
O que te vem à mente quando você pensa em cogumelos? Viagens sem volta, terapias alternativas, comida chinesa, estrogonofe? Por muito tempo pra mim cogumelo era algo em conserva esquisito que se usava na culinária. Ali pelos anos 2000, o shimeji aparecia em noites de comida chinesa ou japonesa. Um pouco mais pra frente, com uma galera da faculdade, fui a São Thomé das Letras, cantinho de Minas com fama de místico, e fiquei apavorada com as histórias de comer cogumelo e “nunca mais voltar”. Vegetariana, aprendendo a cozinhar, lá por 2006 tive acesso a livros de receita que falavam de cogumelos diferentes, e acredito que os bonitos foram se popularizando um pouco mais por São Paulo. Incorporei o shimeji, shitake, o portobello e o paris nos meus luxos culinários.
A minha tendência era pensar que o costume de comer cogumelos veio principalmente com a imigração de povos asiáticos, mas já te entrego aqui que temos povos originários que curtem essas maravilhas: os yanomami, por exemplo.
A partir desse interesse pelo cogumelo de comer, encontrei a Casa Forrageira e vida vai vida vem, só consegui me incluir numa vivência deles agora em maio de 2024. A Casa Forrageira é projeto do casal Larissa e Bruno, em Parelheiros, zona sul da cidade de São Paulo. É tanta conexão pra mim esse rolê que me encontro bem confusa agora sobre como me expressar e dar conta de tudo. Vou tentar com um recurso salva-vidas: lista.
Parelheiros é parte do extremo sul da cidade de São Paulo que fica há uns 30 km da minha casa, e eu já moro na zona sul. É quase Serra do Mar. Não é incrível o tamanho dessa cidade? E o melhor, ali temos floresta, o provável último rio limpo da região, pessoas que vivem da roça e povos indígenas recuperando e protegendo seu território.
Lá o clima é outro, mais úmido e frio que a maior parte da cidade e, assim, mais propício aos cogumelos. Porém, com a mudança climática desastrosa que estamos presenciando, o grande calor que assolou São Paulo atrasou a vinda dos cogumelos de outono, o casal ressaltou como o cenário está bem diferente e encontramos bem menos cogumelos pelo caminho. (Ainda assim para uma primeira vez foi bem mágico)
Cogumelos são frutificações dos fungos. Fruta de fungo. Essa frase ajudou muito minha amiga Cíntia que tinha um tanto de aflição de comer “fungos” e pode te ajudar também. Os fungos são cadeias imensas espalhadas pelo solo, superfícies, pelos outros seres, e podem chegar a ser os maiores seres vivos do mundo. O que a gente come é só uma ponta disso tudo.
Vem comigo nessa brisa: sobre o colher o que está ali, colher verbo, colher o que veio, o que frutificou, sobre o não cultivar/manipular a terra, a produção, que não é a pura observação e desfrute. Sobre a não monocultura, o não abuso e violência com a terra, os rios, os mares, o agro não é pop e por aí vai. Caçar cogumelos com a Casa Forrageira é também essa viagem que pode remontar ao já termos sido caçadores e coletores, mas a caça aqui eles relacionam com não-animais. <3
Quantos cogumelos você já viu por aí, na grama, em árvores, cantinhos da cidade, no mato e ficou pensando que podia ser tóxico? É, a gente tem implantado um chip de medo de cogumelos, e esse projeto da Casa Forrageira é educativo. Aprendemos que nenhum cogumelo é tóxico pelo contato com a pele, um primeiro ponto. Aprendemos também que só devemos comer o que temos certeza da identificação (e para isso tem grupos de amadores e profissionais, livros, vivências como essa e etc). Aprendemos a cheirar - e nossa que repulsa causam alguns que encontramos e são tóxicos. O tóxico aqui geralmente é o que? É dar piriri, vômito e coisas assim. Aprendemos que dificilmente se chegaria a morte com esses tóxicos que encontramos no Brasil porque teríamos que ingerir uma quantidade enorme (o que fica difícil sendo que logo você começaria a vomitar).
Aprendemos também a olhar. A floresta parece um lugar cheio de tanta vida que fica difícil ver detalhes. O nosso olhar é preparado para a caçada e fica atento a detalhes. O que estou procurando? Como eles são? Os cogumelos tem diversas cores e formas mesmo e isso é apaixonante.


(Esse neném acima foi um dos mais encantadores) Fotos de Cíntia Trombaioli
Para finalizar, a loucura que é essa delícia que comemos. Enorme, o frango da floresta (Laetiporus), é também uma delícia! Geralmente se encontra em feridas de árvores, aqui no caso foi em um eucalipto, que não é espécie nativa, mas estão por aqui afinal… ué… deveriam estar? doido? confuso? na minha cabeça sim, no meu coração só fico sonhando quando vou comer mais dessa comida da Lari Bellezi. Aproveita e segue a Lari para saber quando tem mais Caçada de Cogumelos. (CE)
(Frango da floresta preparado pela Lari e in natura, colhido pelo Bruno)
PRA SE ENCANTAR COM LORENA CABNAL
Esse vídeo (em espanhol) está um espetáculo para conhecer a vida de Lorena, mulher maya-xinka da Guatemala, que cura da violência e apresenta lindamente sua visão de mundo. Rede de Curadoras Ancestrais do Feminismo Comunitário. Para inspirar corpos plurais, defesa de territórios, banhos de ervas e poesia. (CE)
Linda, edição!
Que edição linda! Fiquei encantada com essa caça de cogumelos silvestres!