Olá, vaquinha!
Chegamos ao último mês do ano, e com ele, aquele momento de desacelerar (ou tentar, né?) e refletir sobre tudo que vivemos até aqui. Dezembro tem essa magia única: um misto de celebração, nostalgia e expectativa pelo que vem pela frente. Nós, da feganismo, estamos muito felizes por termos dividido tantos momentos com você ao longo do ano.
Que esta edição te acompanhe nesse clima de encerramento e renovação, com leveza e boas doses de inspiração. Pegue sua bebida favorita, sente-se confortavelmente e venha celebrar conosco mais um ano de trocas tão especiais.
Viva a fega!
Cassimila e Sarah
VACA PROFANA
Lourdes Barreto é puta, militante e um ícone de resistência. Aos 80 anos, foi celebrada como grande dama no majestoso Theatro da Paz, em Belém, em uma noite que mais parecia saída de um roteiro operístico. A mulher que, décadas atrás, fugia da polícia na mesma calçada, agora subia ao palco para ser ovacionada. Era a consagração de uma trajetória que transformou exclusão em protagonismo, e preconceito em luta.
Com uma trajetória marcada por desafios que poucos ousariam enfrentar, Lourdes, em toda sua exuberância e força, transformou a marginalização em um palco para reivindicações e vitórias. “Sou uma vagina aberta para o mundo”, ela afirma com a intensidade que só uma vida de luta pode proporcionar. Para ela, o corpo nunca foi mercadoria ou vergonha, mas território de liberdade e poder.
Em sua luta contra o estigma, Lourdes fez do próprio corpo um manifesto. Quando percebeu que estavam tentando apagar sua identidade e reduzir sua história ao papel de militante, decidiu tatuar no braço esquerdo a frase que mais define sua essência: “Eu sou puta.” Não satisfeita, anos depois adicionou outra: “Vagina tem poder.” E, fiel à sua natureza inclusiva, já planeja a próxima: “Cu tem poder” , uma forma de celebrar também a luta de seus amigos LGBTQIA+.
Entre as luzes da ribalta e as sombras do preconceito, Lourdes se ergue como um farol, iluminando não apenas as ruas da Campina, mas também os corações de todos que têm o privilégio de ouvir sua voz. Em cada frase, tatuagem ou risada, ela grita liberdade. Lourdes é uma das 100 mulheres mais influentes do mundo segundo a BBC. Viva Lourdes, viva a resistência. (SM)
CUSCUZ É MELHOR QUE MUITA GENTE
Quando você leu cuscuz, qual foi o primeiro que veio à sua mente? O nordestino, o paulista ou o marroquino? Ando obcecada com cuscuz no café da manhã e vim compartilhar com vocês as origens e curiosidades sobre o amado cuscuz - além de algumas dicas para fazer. Amo todas as versões (sendo veganas, óbvio).
Trigo: pense em grupos nômades pelo deserto do Saara precisando de uma preparação prática para o dia a dia. Sim, aqueles cuscuzes (a sensação de que inventei um plural) que vieram do norte da África se espalharam pelo mundo e foram integrados em países colonizadores europeus. Ficaram muito populares a ponto de virar Patrimônio Imaterial da Humanidade.
Mandioca: o mundo é grande e nenhuma história da alimentação é tão linear (eu acho isso fantástico), pois na Amazônia, povos originários já faziam cuscuz a partir da farinha de uarini, ou ovinha, feita com mandioca, a rainha mandioca! Além disso quem aí já ouviu falar em cuscuz baiano? Uma sobremesa deliciosa feita com tapioca flocada e leite de coco.
Milho: A adaptação dos africanos e portugueses na chegada ao Brasil se deu quebrando o milho e ganhou novas formas e aromas. Pode ser comido em qualquer refeição, simples, leitoso, doce, salgado, soltinho ou grudadinho como o paulista, que pra mim é uma delícia também!
Onde estou - São Paulo - o fácil é achar o cuscuz de milho, então sigo o texto com ele. Por aqui você encontra versões de flocão de milho orgânico e não transgênico para fazer essas delícias.
Minha mãe pernambucana faz um prato que é umas das minhas maiores paixões. Cuscuz de milho, feijão (de corda ou fradinho) e coentro. Simples e mágico assim: meu colo.
Aqui o modo de fazer o cuscuz clássico nordestino que mudou minha vida (não precisa de cuscuzeira, é prático e rápido): obrigada, Cintia, por me introduzir ao cuscuz de microondas para meu café da manhã!
Nasci em São Paulo e com experiência vasta na cozinha sem animais te digo com propriedade que o cuscuz paulista é uma ótima pedida para qualquer tempo. Aqui, uma receita de base maravilhosa.
Para saber mais sobre o cuscuz, essa matéria é uma riqueza. (CE)
O PRAZER DO PRIVILÉGIO
É óbvio que fim de ano sempre tem uma retrospectiva, né? Um "arquivo confidencial" íntimo, repassando erros acertos. Meu momento "revival" desse ano é a "volta" da Jout Jout. Bem, acho que se você teve internet de 2015 a 2020, você deve se lembrar desse ícone dos vídeos inspiradores, que coletou milhões de seguidores e me fazia abrir o YouTube a cada semana. Ela decidiu sair da internet depois de anos de sucesso. Claro, uma decisão calculada, afinal, seus vídeos seguirão monetizando, independente de onde ela estiver. A Jout Jout voltou à cena depois que o Chico Felitti a encontrou e resolveu fazer de uma entrevista (que poderia ter sido uma matéria ou um e-mail) um podcast de 4 episódios. Nele, Jout Jout fala sobre sua decisão corajosa de deixar tudo e ir morar na roça. É muito curioso pensar em como o mundo mudou desde que ela resolveu se exilar do digital. Aliás, o mundo para a YouTuber era um lugar acolhedor até então, mas esse "comeback" mostra exatamente que talvez ela devesse continuar no analógico. Até comentei com uma amiga que talvez seus comentários e visão de mundo sobre sua decisão não fossem bem aceitos na internet atual. E não deu outra: opiniões nem tão acolhedoras não só sobre o podcast, mas sobre a decisão dela de romantizar uma vida sem facilidades modernas (entre elas, a privada e a máquina de lavar). Jout Jout decidiu morar em um lugar simples, lavar roupa na mão e só acessar a internet quando tiver que pagar conta. Ela, uma moça privilegiada, branca (mais uma personagem típica das histórias preferidas contadas pelo Chico), vivendo da "renda" dos seus vídeos, abrindo mão de luxos que fazem da vida doméstica da mulher - principalmente, não sejamos hipócritas, - um lugar melhor. Mais uma vez, Jout Jout me colocou num lugar de reflexão, como era com seus vídeos anteriormente. Uma parte de mim acha admirável abrir mão da sua vida profissional bem sucedida para se dedicar à família e viver como se estivesse em 1930. Outra parte, acredita que ela só pode realizar essa vida por estar em uma posição confortável - monetariamente falando -,ou seja, todavia trata-se sobre dinheiro e carreira. Complexo, né? (SM)
ESPÉCIE DO MÊS: CERVO DO PANTANAL
(Blastocerus dichotomus)
Bateu essa ideia de a cada mês trazer uma espécie para a gente conhecer, amar e se inspirar a defender nesse apocalipse. Comecei pensando nas renas, que nem existem por aqui, mas são muito lembradas nessa época. Acontece que numa breve pesquisa descobri essa lindeza que eu não conhecia!!! Eles são da mesma família que as renas, veados e alces, são o maior cervídeo da América do Sul, podendo chegar a quase 2 metros de comprimento. Outros nomes: suaçuetê, suaçupu, suaçuapara, guaçupuçu (fale em voz alta que é gostoso).
Nessa espécie, diferente das renas, só os machos possuem chifres. São herbívoros, ruminantes e resistem apesar de terem perdido tanto do seu habitat a partir do século XX, pela construção de usinas hidrelétricas, as doenças advindas de animais domésticos, como a febre aftosa, e a caça, principalmente como troféu. Ao ver a imagem abaixo não te vem na memória imagens de cabeças empalhadas? Aqui infelizmente veio junto com a conexão entre todas as violências e nosso colapso.
Foto de Bruce Thomson
Está em extinção em várias regiões, mas ainda pode ser encontrado no Pantanal, na Ilha do Bananal, no Rio Araguaia, no Rio Guaporé e nas várzeas do Rio Paraná. (CE)
MELHOR QUE MUITO HUMANO
A arte não é exclusividade dos humanos. Na natureza, algumas espécies nos mostram que a criatividade, a performance e a estética podem ser parte essencial da vida. Eles dançam, pintam, esculpem e cantam, cada qual com seu talento único. Aqui, apresentamos os grandes artistas do reino animal e suas "obras de arte". Deixei um vídeo para cada um desses animais. O das baleias me deu vontade de chorar de tão lindo!
Pássaro Pergolero Regente
O João de barro não é a única ave arquiteta e engenheira, sabia? Imagine uma instalação digna de museu, feita com precisão e cheia de significado. O pássaro pergolero regente (ou bowerbird) é o arquiteto da natureza. Ele constrói verdadeiros "pavilhões" decorados com itens que encontra pelo caminho: flores, pedras, frutas e até tampinhas de garrafa. A escolha das cores e a simetria dos objetos não são aleatórias; são parte de um espetáculo visual para atrair parceiras. É ou não é um designer de primeira?
Baiacu que desenha na areia
Nas profundezas do oceano, uma espécie de baiacu, cria mandalas de areia que mais parecem obra de um artista contemporâneo. Ele esculpe formas geométricas perfeitas no fundo do mar, uma coreografia silenciosa feita com movimentos delicados das nadadeiras. O objetivo? Impressionar as fêmeas, que escolhem seus parceiros com base na simetria e complexidade dessas obras. Se Van Gogh fosse peixe, certamente estaria inspirado.
Ave-do-Paraíso
Essa é uma verdadeira dançarina performática. As aves-do-paraíso masculinas transformam a corte em um show de coreografia e figurino. Algumas limpam cuidadosamente o palco – geralmente um galho – e exibem penas coloridas, movendo-se em sincronia perfeita. Seus movimentos são tão precisos que dariam inveja a qualquer coreógrafo. Um espetáculo que combina balé, drama e beleza natural.
Polvo-Mímico
Flexibilidade e improvisação são as marcas desse artista dos mares. O polvo-mímico é um mestre do disfarce e da encenação. Ele não só muda de cor e textura como também imita outros animais marinhos, como peixes-leão e cobras-do-mar. Sua capacidade de transformação é quase teatral – uma performance em tempo real que deixa qualquer plateia subaquática boquiaberta.
Baleias
Por fim, as baleias, as cantoras líricas dos oceanos. Suas canções ecoam pelas águas em composições complexas, feitas de padrões que se repetem e se transformam ao longo do tempo. Algumas espécies, como as jubartes, criam melodias que podem durar horas e viajar quilômetros. Cientistas acreditam que essas canções têm múltiplos propósitos, incluindo comunicação e atração de parceiros. De qualquer forma, são concertos que deixam qualquer audiência extasiada.
Esses artistas não usam pincéis, instrumentos ou palavras, mas nos ensinam algo poderoso sobre a conexão entre beleza e sobrevivência. Afinal, a arte é mesmo um instinto natural. (SM)
TEM QUE LER ESPECIAL
As melhores leituras de 2024 por Vivian Mendes
As listas não são regra aqui no final do ano, mas vira e mexe me dá vontade de convidar uma amiga para expandir o nosso “Tem que ler”. Vivi e eu, além de já termos compartilhado muita vida, compartilhamos o gosto pela leitura e pelo espanhol. A Vivi é a responsável por me emprestar livros em espanhol que viraram alguns dos meus favoritos e já apareceram nas dicas da feganismo: Como água para chocolate da Laura Esquivel e A casa dos espíritos da Isabel Allende. Apaixonada por um bom romance histórico, a Vivi também é uma das minhas amigas mais antenadas nas tendências, escolhe suas leituras pelo TikTok, por influenciadores e pelas avaliações em estrelas do Kindle Unlimited. Preparados para devorar livros? Quem aqui lembra qual livro da lista da Vivi já foi indicado na feganismo de 2024? (CE)
A Cassi me convidou para falar sobre os livros que li este ano e que foram escritos por mulheres. Fui checar a minha lista e casualmente, ou não, a maioria dos livros que li foram escritos por autoras. Eu não poderia estar mais em contato com o feminino do que em 2024, ano que passei grávida e, no mês 9, recebi meu pacotinho. Junto com ele veio puerpério e todas as emoções que só os hormônios bagunçados conseguem trazer. Vamos ao que interessa, segue a lista por ordem de leitura:
Pachinko, de Min Jin Lee: neste romance sul-coreano conhecemos Sunja, uma menina simples, filha de um pescador, que se apaixona por um forasteiro e engravida deste homem. Ela descobre que este homem é casado e não aceita as condições propostas para que ela e a criança sejam mantidas por ele. Pensando em sua honra e na de sua família, Sunja aceita se casar com um simples e bondoso pastor. Juntos, migram para o Japão e a partir daí inicia-se uma saga onde acompanhamos a jornada das próximas gerações da família de Sunja, histórias pautadas por preconceito, dor e ambição. Em tempo: tem série na Apple Tv, ainda não vi, mas está bem avaliada.
O Casal que Mora ao Lado, de Shari Lapena: um casal é convidado para jantar na casa de seus vizinhos, a única condição é que não levem sua bebê. Eles aceitam e ficam monitorando a bebê com babá eletrônica e visitando a menina a cada 30 min. Ainda assim, ao voltar para casa, não encontram a pequena no berço. Um suspense daqueles pra largar o livro só depois do final. Eu gostei bastante desta autora, li na sequência “Alguém que Você Conhece” e “O Último Jantar”, todos neste estilo de suspense “Who”.
Água Fresca para as Flores, de Valérie Perrin: Violette é zeladora de um cemitério, vive sozinha e tem sua casa como ponto-de-encontro dos passantes, dos coveiros, entre outros. Um dia, recebe a visita de um homem que insiste em enterrar sua mãe ao lado do túmulo de um homem que ele não conhece. Então, ele acaba envolvendo Violette nesta busca para descobrir a verdadeira conexão entre eles, o que traz à tona histórias íntimas e delicadas dos dois lados. Esteja preparada, esta é uma leitura que parece simples, mas tem uma profundidade que desperta emoções diferentes.
A Influencer, de Ellery Lloyd (este na verdade é um pseudônimo de um casal de escritores ingleses, tomei a liberdade de considerá-los aqui): uma jornalista vira uma grande blogueira ao tornar-se mãe. Com a fama, a vida dela dá uma guinada, elavai para outro patamar profissional e parece viver a vida da mãe perfeita. Junto com o mar de seguidores/fãs, ela ganha também os famosos haters e um deles decide sair do digital para buscá-la na vida real. Apesar de ser um enredo bem simples, acredito que o grande lance deste livro é a proximidade com este mundo em que vivemos em que o “perfil do vizinho sempre parece ser mais verde”, acho que tem algumas reflexões interessantes.
A Estranha Sally Diamond, de Liz Nugent: esta foi uma das melhores leituras do ano. Sally é uma mulher de aproximadamente 40 anos que mora com seu pai em uma casa afastada do centro da cidade. Apesar de ser “normal”, ela é totalmente “estranha”, sua cabeça funciona de outra forma. Com a morte de seu pai e após uma atitude criminosa para velar o corpo do homem, Sally acaba virando o centro das atenções e, consequentemente, mergulhamos na história real desta mulher. Eu fiquei curiosa até o final. Sally é uma personagem realmente intrigante.
Escola de Contos Eróticos para Viúvas, de Balli Kaur Jaswal: este livro é divertidíssimo e também poético. Nikki é filha de imigrantes indianos e está em um momento perdida, sem saber que rumo tomar profissionalmente. Ela aceita dar aulas de alfabetização, porém ao chegar lá percebe que suas alunas – maioria viúvas – estão mais interessadas em escrever contos eróticos do que de fato aprender o ABC, e encontram naquele espaço o único momento de colocar pra fora fantasias que não podem jamais compartilhar. Um livro super feminino e libertador.
A Loucura do Mel, de Jodi Picoult: comecei a ler com expectativa bem baixa, mas o enredo me pegou bastante. Telefone toca, do outro lado da linha o adolescente diz para sua mãe que está sendo acusado de matar a sua namorada. Tem romance, suspense, receitas (me lembrou “Como Água para Chocolate”) e alguns dramas sobre pais e filhos.
Cleópatra e Frankenstein, de Coco Mellors: este livro é um tesourinho. Acompanhamos a história de “amor” entre Cléo e Frank. Dois personagens muito diferentes entre si, mas que se apaixonam e se casam de forma meteórica. Junto com esta rápida junção das escovas de dentes, vem também todo o “baque” da vida real. Eu fiquei muito envolvida na trama, me deu aquela ressaca literária forte.
A Cabeça do Santo, de Socorro Aciolli: livro nacional e cheio de regionalismo. Um homem começa a ouvir todos os pedidos que são feitos para o Santo Antônio e a partir daí usa este dom para ajudar outras pessoas, mas também para ajudar a si mesmo. Confesso que demorei para “engrenar”, mas insisti e depois a leitura fluiu super bem. Achei leve e bonito.
Venho comentar um pouco, mas devagarzinho vou ficando ao dia com as leituras de newsletters haha! Adorei a edição, especialmente a lista de livros recomendados. Alguns já conhecia, mas coloquei vários na listinha de leituras (que nunca para de crescer).