Olá, vaquinhas!
Chegando mais uma feganismo com aquele temperinho que a gente gosta e, dessa vez, com a acidez perfeita de uma segunda-feira.
Desfrutem.
Abraços e mugidos,
Cassimila e Sarah
VACA PROFANA
Um vídeo apareceu na minha timeline esses dias, mostrando uma professora de 6ª série pedindo aos seus alunos que listassem mulheres importantes para a sociedade. Entre os nomes, surgiram Taylor Swift, Ariana Grande, Marília Mendonça, Rita Lee, Rainha Elizabeth II, Princesa Diana, Preta Gil, Fernanda Torres, Eliana, Virgínia, Deolane Bezerra, Dilma Rousseff e Fernanda Montenegro. A princípio, essa mistura pode parecer improvável. Mas é exatamente nessa diversidade que mora a beleza filosófica desse exercício.
A lista não separa artistas populares de figuras políticas ou influencers digitais de atrizes renomadas. Ela é, antes de tudo, um retrato sincero de como esses futuros adultos estão percebendo o mundo hoje. O fato é que, de alguma maneira, cada uma dessas mulheres deixou uma marca profunda—seja por sua música, liderança, talento artístico, exposição midiática, ou simplesmente pela coragem de ser quem são. Para uma criança de hoje, Virgínia pode ter o mesmo peso cultural que Rita Lee teve para gerações anteriores. E quem somos nós para dizer o que é mais legítimo?
Essa lista é também uma aula empírica sobre o que realmente influencia uma geração. Não é necessariamente o impacto histórico ou político que fica registrado primeiro no imaginário das crianças, mas sim a proximidade afetiva, o alcance emocional, a representatividade nas telas e o espaço que essas mulheres ocupam nas conversas cotidianas. Um jovem, ao citar Marília Mendonça, está dizendo que a dor e a força emocional das mulheres são dignas de nota, assim como citar Dilma Rousseff é reconhecer o papel da mulher na história política do país.
É importante percebermos também como essas referências são fluidas e vão transcender o tempo. Algumas dessas figuras, talvez, resistirão à passagem dos anos e se tornarão símbolos duradouros. Outras, possivelmente, serão breves capítulos em nossas memórias culturais. Mas todas cumprem um papel essencial: revelam quem fomos, quem somos e quem pretendemos ser enquanto sociedade.
No fim, essa lista simples, feita de forma espontânea por crianças da 6ª série, pode nos ensinar muito sobre o que valorizamos e como interpretamos o mundo. Cabe a nós não julgar, mas sim observar atentamente. Porque talvez aí esteja a verdadeira essência do que é relevante: aquilo que conecta, que inspira, que gera identidade e provoca reflexão em cada um de nós, independentemente do tempo ou espaço em que vivemos. (SM)
NÃO ERA AUSÊNCIA, ERA RESISTÊNCIA
Dias atrás, me deparei com uma conversa que me deixou intrigada. A pauta era uma suposta pesquisa — sem fontes, diga-se de passagem — que afirmava que os pais negros eram os mais ausentes nos EUA e que a causa não seria a pobreza, mas sim a "cultura negra". Eu não consegui processar essa afirmação absurda de imediato, mas aquilo ficou na minha cabeça, reverberando.
Não é surpresa que argumentos racistas muitas vezes se escondam sob o disfarce de “estatística”. A ausência de contexto e a simplificação de problemas históricos e sociais se transformam em argumentos vazios, que só reforçam estereótipos. Por isso, resolvi procurar dados concretos sobre paternidade negra. Foi assim que cheguei ao Primeiro relatório sobre as paternidades negras no Brasil, um estudo lançado em 2022 pelo Instituto Promundo e coordenado pelo historiador Luciano Ramos. E olha, foi como abrir uma janela para um tema complexo e, até então, invisibilizado.
O relatório me mostrou que a ideia de que homens negros são naturalmente pais ausentes é não só falaciosa, mas fruto de uma construção histórica muito mais profunda. A pesquisa aponta que 83% dos pais negros no Brasil se sentem plenamente capazes de cuidar dos filhos pequenos, mas 65% afirmam já ter sido alvo de discriminação ao exercer a paternidade. E o dado que mais me impressionou: 95% relatam dificuldades para falar sobre racismo ou empoderamento racial com os filhos.
Historicamente, a paternidade negra no Brasil sempre foi associada à ausência. E essa visão está tão enraizada que até hoje é difícil desconstruí-la. Como explica o próprio Ramos, isso tem raízes na escravidão, quando homens negros eram vistos apenas como força de trabalho e reprodução, sem qualquer espaço para exercer afeto ou construir vínculos familiares. Mesmo após gerações, essa percepção persiste, como se o homem negro não fosse capaz de criar e proteger.
O estudo também destaca algo que nunca tinha parado para pensar: o impacto da falta de referências paternas nas gerações atuais. Muitos homens negros crescem sem ver exemplos de paternidade saudável, já que eles mesmos foram privados desse modelo. E construir uma masculinidade que inclua o cuidado, o carinho e a presença se torna um ato solitário e resistente. Isso porque as políticas públicas voltadas para homens, como o Programa Pré-Natal do Pai/Parceiro, ainda são pouco conhecidas e mal executadas.
E claro, não podemos ignorar a questão do racismo estrutural, que também molda a maneira como enxergamos a paternidade negra. Homens negros são vistos como perigosos, e não como cuidadores. Essa desumanização ainda impacta suas vidas cotidianas e, consequentemente, suas relações familiares. A ausência do pai negro não é uma escolha deliberada, mas uma combinação cruel de racismo, precarização do trabalho e falta de suporte social.
O que me faz pensar sobre aquela conversa que originou tudo isso. Será que quem fez essa afirmação racista sobre paternidade negra já parou para pensar no que está por trás dos números? Será que sabe o que significa crescer em um ambiente onde homens negros são desumanizados e associados apenas à violência e à ausência?
Eu não estou aqui para isentar responsabilidades. Paternidade, afinal, é também escolha. Mas entender como ela se constrói — ou se desfaz — é essencial para quebrar ciclos. Se estamos discutindo paternidade de forma rasa e racista, estamos falhando. Precisamos de debates que considerem o contexto histórico e as desigualdades estruturais, para que homens negros sejam reconhecidos também por seus cuidados e afeto, e não apenas pela ausência.
E que bom que aquele comentário aleatório me levou a essa reflexão. Porque é disso que precisamos: mais contexto, mais responsabilidade e menos generalização. Afinal, ser pai — especialmente sendo um homem negro no Brasil — é, antes de tudo, um ato de resistência. (SM)
A COMIDA MINEIRA E O DESAFIO (DELICIOSO) DO VEGANISMO
A comida mineira é uma das mais queridas Brasil afora: é dito que ela tem amor, aconchego, tempero especial de vó. Porém, seria a comida mineira uma das menos veganas do mundo? Não é uma competição, mas se você já foi para Minas Gerais provavelmente teve dificuldade de achar um feijãozinho simples e viu banha de porco, manteiga e queijo por todos os lados.
Nas minhas últimas férias, resolvi encarar o desafio: conhecer o lado vegano de Minas. E, entre muitas buscas (e algumas surpresas), encontrei um verdadeiro tesouro: Ceres, dona da melhor pousada vegana do estado – um lugar que prova que dá, sim, para manter o sabor mineiro sem nada de origem animal.
Aconchegada no centro de São Thomé das Letras, a Ceres é a responsável pela Pousada Vegana Flor de Cactos. Ela é formada em turismo e hotelaria, extremamente profissional, boa de conversa e uma chef de primeiríssima! Realizou o sonho da pousada própria em 2021 e já tem mais de 10 anos de veganismo. A Ceres faz versões veganas de diversos pratos típicos da região: galinhada, tropeiro, tutu de feijão, pão de queijo, o quiabo perfeito, angu, etc. A pousada oferece café da manhã e jantar para os hóspedes e sempre tem sobremesa (diz ela que é “para mimar os hóspedes”). Nascida em Varginha, além de entregar todas essas delícias, a Ceres entrega causos e histórias do ET de Varginha (quem mais adora saber dessas histórias?).
E se você está pensando “mas o que que eu vou fazer em São Thomé das Letras?” já te respondo como boa defensora do turismo gastronômico e aquático: além de conhecer a Ceres e sua comida (ponto obrigatório da viagem), você pode conhecer a maravilhosa fábrica da OnVeg (meus chocolates e pastas preferidos), no Instituto Origem, e pode se banhar em muitas águas de cachoeira. Saudades! (CE)
TEM QUE LER
“O assunto cachorro era polêmico para nós. Harris e Sam queriam um; já eu titubeava muito com relação a animais de estimação em geral. Estamos todos de acordo sobre a domesticação de animais? Nem cogitamos que se trata de uma espécie de escravização? Como sair dessa agora que o mundo está tão povoado por cães e gatos que não sabem mais viver sozinhos? É inclusive desumano libertá-los. (...) Ser antibichos de estimação (pró-animais!) é uma qualidade minha que nunca emplacou.” (Capítulo 2)
O livro De Quatro da estadunidense Miranda July é um dos mais falados recentemente - e não é à toa. Além de ser um sucesso de vendas, ele tem arrebatado corações e provocado algumas tretas. Se ele chegou aqui você já sabe: é bom e tem conteúdo feganista.
A protagonista está encarando um momento de crise geral e um dos maiores trunfos do livro é jogar luz na perimenopausa e menopausa sem frescura. A dona July, entre um vídeo de dança e outro, entrevistou médicas ginecologistas e mulheres reais que passaram pela mudança hormonal para dar mais força à narrativa. É um romance razoavelmente leve, daqueles que te pegam, mesmo quando te dando raiva. No final, tudo faz sentido na jornada da personagem.
Eu especialmente destaco a dança como linguagem no livro, a experimentação dos desejos sexuais da personagem principal e as conversas que ela tem sobre isso com as amigas.
“Tentei imaginar uma mulher exatamente como eu, mas que não tinha segredos. Que não sentia remorso. Uma mulher como essa seria aceita ou degredada como uma bruxa? E por que esse medo de ser degredada quando esse tipo de coisa nem acontecia mais? Porque até bem pouco tempo atrás todas nós éramos bruxas. Fomos degradadas e queimadas vivas há apenas trezentos anos. Isso é nada. Pouquíssimo tempo.” (Capítulo 19)
Vem você também pra esse hype e volte aqui pra me contar o que você achou DAQUELA cena maravilhosa - você vai saber qual é. Será a melhor do livro? (CE)
ESPÉCIE DO MÊS: Canis lupus familiaris
Todas as cadelas e os cachorros, por mais diferentes que sejam, são da mesma espécie. Até o vira-lata caramelo. Talvez a espécie mais “manipulada” por humanos de todas? Provavelmente. Também seria a primeira espécie domesticada pelos humanos, há mais de 100 mil anos, uma subespécie do lobo. Existem por volta de 400 raças de cachorros espalhadas pelo mundo, algumas surgiram mais espontaneamente, mas muitas são pensadas e articuladas pelos humanos. A gente não pára de moldar a genética canina (isso não te dá arrepios?) em busca de ??? - realmente não sei em busca do quê. De chihuahuas a são-bernardos, de pugs a rottweilers, nessa saga, há pontos que me causam muita indignação:
fêmeas reprodutoras que são intensivamente exploradas como fábricas de filhotes, geradoras de lucro para o patrão;
o animal como mercadoria e produto de luxo: o preço que se dá pela raridade de um, pela “pureza” do outro. Recentemente, você pode ter visto a notícia de um animal vendido por 33 milhões. Capitalismo sem limites nesse caso de cruzamento de cão com lobo (pra quê?). Confere aqui;
a palavra “raça”, essa palavra com histórico tão horroroso, usada para classificar tamanhos, cores e características de personalidade que foram manipuladas.
Bora questionar essa obsessão por pedigree? Adoção é um ótimo começo – e talvez o único jeito ético de ter um canis familiaris nos dias de hoje. (CE)