Oi, tudo bem?
Aqui estamos em ritmo de - merecidas- férias.
Sem mais delongas, esperamos que goste dessa edição.
Abraços,
Cassi e Sarah
VACA PROFANA
Quando começamos a Feganismo, queria trazer nesta seção histórias de outras mulheres que abriram caminhos, que foram disruptivas, que deixaram marcas. Não necessariamente num sentido de “mulher guerreira” porque abomino a romantização desse termo. Mas, dessa vez vai ser um pouco diferente e pode ser que tenha alguns gatilhos para você. A mulher de quem eu quero falar hoje é Gisèle Pelicot, a francesa que descobriu recentemente que era objeto de abuso de seu marido de mais de 50 anos. Por uma década, Gisèle foi dopada e violada por mais de 50 homens que seu marido convidava para entrar na sua casa com esse propósito. Não quero dar foco aos horrores que ela sofreu, e sim, em como ela decidiu tratar tudo isso. Seu agora ex-marido e os outros estupradores estão passando por um julgamento, que pela natureza da agressão poderia ser levado em âmbito privado. Contudo, Gisèle mantém seu caso aberto para que todos possam acompanhar e questionar como a lei, até mesmo na França, que podemos considerar um país progressista em muito sentido em relação aos direitos e proteção da mulher, também tem falhas nas leis. Um ponto que me chama atenção sobre isso é que alguns dos violadores estão argumentando seu comportamento dizendo que o que fizeram não pode ser considerado um estupro. A lei francesa considera caso de estupro quando existe agressão e não diz nada sobre consentimento. Essas brechas existem também no Brasil. Quero compartilhar o episódio de 27 de setembro do podcast “O assunto”, com a maravilhosa Natuza Nery, onde ela discute exatamente as engrenagens que o caso de Pelicot pode mudar. (SM)
A MULHER PRÉ-HISTÓRICA
Um dos meus temas preferidos quando a situação está crítica no mundo é arqueologia porque me ajuda a ganhar perspectiva e sair do sofrimento agudo e individual. Você que já nos lê imagino que já tenha percebido como a história tradicional é focada demais nos feitos dos homens, especialmente se forem brancos e colonizadores. Alguns meses atrás vi um documentário que mostrava uma arqueóloga em uma escavação falando algo do tipo “o homem saía para caçar e a mulher ficava cozinhando” - na minha memória ficou algo assim. Aquilo me deu nos nervos e fui atrás de investigar o que se fala sobre gênero na arqueologia. Primeiro de tudo encontrei um manifesto de estudantes de arqueologia mulheres contra o machismo e situações de abuso em trabalhos de campo. Depois de um tempo cheguei mais perto de onde eu queria. A historiadora Marylène Patou-Mathis no livro “O Homem pré-histórico também é mulher: Uma história da Invisibilidade das mulheres” se propôs a escrever a nossa história - do ponto de vista de uma francesa, deixando um tanto de lado, mas rica e recheada de informações arqueológicas e antropológicas interessantíssimas. Compartilho aqui algumas coisas que aprendi e reflexões:
A arqueologia surgiu e floresceu em época de ideologia patriarcal, logo defendeu ideias da inferioridade e sexualização das mulheres. Nos anos 1970 isso começou a mudar.
Nos achados de vestígios da pré-história, a associação de armas com o homem e de joias com a mulher é totalmente ultrapassada e pesquisadores já entendem esses objetos como polissêmicos.
Um esqueleto encontrado na Suécia com armas, cavalos e flechas foi atribuído a um homem e apenas depois de novas escavações e um resultado de DNA a comunidade científica aceitou se tratar de uma mulher, chefe guerreira viking do século X. Não é um caso único, muitas foram guerreiras.
Mulheres no paleolítico eram tão fortes quanto os homens e mais fortes que atletas de hoje.
Não é incrível viajar no tempo e imaginar comunidades com outras lógicas e possibilidades para mulheres? Viajando aqui pela Serra da Capivara penso nas mulheres, nossas ancestrais, que também fizeram essas artes rupestres que ali datam de 28 mil a 3500 anos atrás. Fizeram de um tudo: pintaram, coletaram, caçaram, participaram da confecção de ferramentas e vai saber o que mais porque nossa imaginação e pesquisa nunca vai alcançar o todo de tempos mais remotos. Seguirei estudando e trazendo conteúdo interessante nesse tema para vocês. (CE)
Fotos de pinturas rupestres na Serra da Capivara (PI) tiradas por mim e por Cintia Trombaioli.


7 MULHERES NA HISTÓRIA DO CINEMA
Este mês visitei o “Academy Museum”, o museu dedicado ao cinema em Los Angeles. Além de uma grata surpresa de uma exposição temporária dedicada à Agnés Varda, nossa Vaca Profana da edição de agosto, tinha uma homenagem a mulheres que mudaram a história do cinema por diferentes razões. São elas:
Alice Guy-Blaché (1873-1968)- Considerada a primeira diretora mulher. Ao lado de seu marido, abriu um estúdio de filmagem nos Estados Unidos, dirigiu e produziu centenas de filmes. Porém, essas películas só foram descobertas na década de 1990.
Hattie McDaniel (1893-1952) - Se você está aqui desde o começo da news, ela foi uma das primeiras a aparecer na “Vaca Profana”. Hattie foi a primeira mulher negra a ser indicada e a ganhar um Oscar por seu papel em “E O Vento Levou”. Na ocasião, por questões raciais impostas no país, ela não pode assistir à cerimônia presencialmente. Dado curioso: no museu, a cabine do seu Oscar está vazia como forma de protesto.
Myoshi Umeki (1929-2007) - Primeira mulher asiática a conquistar um prêmio da Academia pelo seu papel no filme de 1957, Sayonara. Ela começou como cantora apresentando-se para as tropas japonesas durante a Segunda Guerra Mundial.
Rita Moreno (1931-) Primeira mulher latina a ganhar um Oscar pela performance no musical “Amor, Sublime Amor”, de 1961. Rita nasceu em Porto Rico e se recusou a interpretar papeis que a estereotipam, deixando-a fora do entretenimento por sete anos. Ah, ela também é a primeira latina a ganhar conquistar o EGOT, que é quando você tem na estantes os prêmios mais importantes do show biz (Emmy, Grammy, Oscar e Tony).
Sophia Loren (1934-) - Ícone da elegância, Sophia foi a primeira a conquistar um Oscar de melhor atriz fora dos EUA. O feito foi realizado em 1960 pelo seu papel em “Duas Mulheres”.
Buffy Sainte-Marie (1941-) - Em 1982, ela conquistou um Oscar pela música que co-escreveu para o filme “Força de um Destino”. Sainte-Marie é uma mulher do povo originário norte-americano “Cree” e por ser ativista, sua música foi proibida nas rádios estadunidenses até essa data. Ela é uma das compositoras com carreira mais longa nos Estados Unidos até hoje.
Barbra Streisand (1942-) - Barbra é parte da cultura estadunidense e está nessa thread porque foi a primeira mulher a produzir, dirigir e atuar em um filme “mainstream”, Yentl, de 1983. Ou seja, ela conquistou esse feito com mais de 40 anos. (SM)
TEM QUE LER
“A arqueóloga sempre achou um disparate a presunção de nossa espécie se considerar superior às demais e costuma recorrer a lendas de povos africanos que apresentam a humanidade como um tipo de involução. Uma delas diz que o gênero humano surgiu do cruzamento entre um macaco e um porco.
“A evolução levou animais a correr, a ter garras fortes e a voar. E o homem? Progrediu até perder a noção de limites. Mas a força da natureza é tal que basta um vento mais forte para derrubar uma cidade inteira.”
Parece o vaca profana, mas é a primeira biografia que aparece aqui no nosso Tem que Ler: Niéde Guidon, Uma arqueóloga no sertão. Belíssimo e gostoso de ler, o livro escrito por Adriana Abujamra saiu ano passado em homenagem aos 90 anos da Niéde, arqueóloga responsável pela descoberta e preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Aliás, a história da Niéde e a história do parque se confundem lindamente.
As pesquisas lideradas por Niéde na região revolucionaram a história da ocupação do nosso continente. Antes acreditava-se na teoria de passagem do Homo Sapiens apenas pelo Estreito de Bering, hoje já é pacífico que ocupamos as Américas bem antes e por outros meios.
O simples fato de Niéde ser uma mulher que chegou para estudar o patrimônio da região nos anos 70 e estar lá até hoje já merece toda nossa atenção, mas o livro entrega tudo! Adriana nos apresenta a força e a beleza da história da arqueóloga sem deixar de contar as polêmicas, por exemplo no caso da retirada de comunidades da região que se tornava parque e na performance do bailarino nu que revoltou políticos da região.
Niède também foi uma força inspiradora para as mulheres da região, ajudando muitas a se libertarem dos maridos abusivos e ter independência através de um trabalho. Muito completo, emocionante, bonito e vai te despertar o desejo de conhecer e valorizar esse nosso Patrimônio da Humanidade com mais de 400 sítios arqueológicos. Terminei no chão de lágrimas e de arrebatamento. Dá vontade de reler agora, visitando o local onde Niéde vive e ressoa, e sem querer largar a história toda sigo pelo podcast Caminhos de Niéde - que está muito maravilhoso. (CE)
Arrasaram! Parabéns! Fiquei bem interessada no livro da arqueóloga Marylène Patou-Mathis. Vou procurar! E a serra da Capivara está na minha lista!
Obrigada demais, Pat. É uma honra ter sua leitura! ♡