Olá, vaquinha!
Mal podemos acreditar que com essa edição celebramos 4 anos de existência! Obrigada por nos acompanhar nesse projeto prazeroso, que estreita nossa relação de amizade, que nos traz muito conhecimento. Esperamos que também seja divertido para você!
Viva a fega!
Cassimila e Sarah
VACA PROFANA
Imagine a cena: século XIX no Rio da Janeiro, um espetáculo de dança pela rua, idealizado por uma bailarina clássica italiana, que mesclava ritmos e danças africanas e convidava negros escravizados e povos originários a dançar com ela. Era um escândalo. A bailarina era Marietta Baderna. E, assim, seu sobrenome deu origem à palavra que conhecemos como algazarra, desordem, furdunço, bagunça. Assim se referia a elite carioca a seus espetáculos. Quando ela subia aos palcos ao lado de pessoas marginalizadas, o público batia os pés com força para terminar o evento. A partir disso, ela começou a ser boicotada em grandes teatros. Maria Baderna, como também era conhecida, foi a principal bailarina do corpo do Teatro alla Scala em Milão, em 1846, veio com sua família ao Brasil fugindo de uma perseguição política na Itália por apoiarem o movimento republicano. Ao chegar por aqui, apaixonou-se pela cultura negra e lançou-se numa tentativa de incluí-la em espaços burgueses em que frequentava. Apesar do boicote que sofria, recebia apoio de pessoas importantes da época, como José de Alencar. Talvez você nunca tenha ouvido falar dela, mas sua importância foi tamanha, a ponto do seu sobrenome tornar-se uma palavra do português tupiniquim. Agora, passo a entender a palavra baderna como algo muito maior. (SM)
PERO VAZ DE CAMINHA JÁ CHEGOU DESPREZANDO NOSSOS VEGETAIS
FORMAÇÃO EM VEGANISMO POPULAR COM SANDRA GUIMARÃES
Disponível no Youtube da UVA, compartilho aqui a primeira aula inspiradora da Sandra Guimarães, parte do projeto de formação em Veganismo Popular da União Vegana de Ativismo. Do jeito que eu gosto, cheia de consciência antiespecista, recortes históricos, comida e até análise de peças publicitárias da época da ditadura!
No título destaquei um fato que me marcou bastante, quando a Sandra apresenta uma parte da carta de Pero Vaz de Caminha, enviada ao Rei de Portugal, datada de 1 de maio de 1500. Pero Vaz desdenha dos vegetais e raízes amplamente consumidos pelos indígenas.
Nesta palestra, a Sandra apresenta o veganismo popular como uma ferramenta poderosa para descolonizar a mesa! Bora? Deixo aqui marcadas as perguntas que a Sandra deixa de lição de casa pra gente. (CE)
O que você come com mais frequência?
Com quem e com o que essa comida te conecta? (materialmente e emocionalmente)
O que ou quem é fortalecido com o consumo dessa comida?
EXTRA 1
No Instagram da UVA (União Vegana de Ativismo) tem stories salvos da viagem da Sandra Guimarães pela Amazônia, agora em outubro de 2024. Está imperdível o olhar, as fotos, a poesia e a desgraça toda que faz parte da nossa realidade. Confere aqui. (CE)
EXTRA 2
Só foi fazer a última edição (Da pré-história ao cinema) falando um pouco de arqueologia e da visão feminista da coisa toda que topei com um gringo na abertura de um evento sobre alimentação no Sesc falando que a mulher tem mais dom de cozinhar porque faz isso desde o tempo das cavernas. SOCORRO! Queria a Marylene Patou-Mathis ali celebrando os 10 anos do Guia Alimentar da População Brasileira para dar uma boa resposta embasada pra ele. (CE)
QUAL O TAMANHO DA SUA NECESSAIRE?
Ultimamente, não sei se pela época do ano, tenho pensado muito intensamente sobre “consumo”. Esse já foi um tema que abordei por aqui muitas news atrás, mas quero compartilhar com você, o que possam ser pensamentos novos sobre o tema. Foi rolando meu feed no Tik Tok que vi uma moça fazendo a contagem de tudo o que tem de maquiagem na sua casa. O total era algo assim: 9 pós, 14 corretivos, 19 máscaras para cílios, 26 bases, 103 paletas de sombra, 161 blushes (contando paletas) e 297 batons. Ao todo, a coleção conta com quase 800 itens e caso cada um desses produtos custasse uma média de R$60, ela teria gastado mais de R$47 mil em maquiagem. Quem compra maquiagem sabe que esse valor de R$60 é para produtos “baratos”. Portanto, acredito que estamos de acordo que o valor dessa coleção é maior que o que ela mesma diz. Ver esse vídeo me levou para um lugar de desconforto (e também de autocompaixão). Eu gosto muito do universo de maquiagem, mas, convenhamos, eu tenho 3 bases (e uma delas foi herdada de minha mãe e é especialmente feita para uso durante esporte), outra é para o dia a dia e a última adquirida é para eventos especiais. Minha “coleção” de maquiagem cabe numa necessaire que ganhei de brinde da empresa onde trabalho. Não, não sou melhor que a moça e nem menos ou mais consumista, mas fiquei pensando em quantas outras pessoas que não trabalham no mercado de maquiagem devem ter uma coleção talvez até maior que a dela. O algoritmo me deu essa resposta em minutos. Abriu-se uma bolha colorida de pessoas que se dizem “presas” e vítimas do mercado do “bem-estar” e do “autocuidado”. Em seguida, fui apresentada ao projeto “PAN”, que nada mais é que um desafio proposto nas redes para que as pessoas terminem seus produtos antes de comprar um novo. Pronto! Algo comum e corriqueiro como terminar um item na sua prateleira agora é um projeto, um desafio. Ao mesmo tempo que me impacta, acho positivo e saudável ver esse movimento de questionamento sobre o consumo começar. É grandioso quando nos entendemos vítimas de um mercado que é feito para ser efêmero. Quando você começa a entender que as marcas lançam sempre os mesmos produtos, com diferentes roupagens apenas. Ah, e outra forma de consumo que talvez seja geracional, mas que chega com tudo são as marcas das “blogueiras” e das celebridades com pouco diferencial no produto final, mas sempre com muito barulho e um marketing bastante efetivo. Digo que isso é geracional porque pouco acompanho grandes influenciadoras, contudo, adoro ver outras produtoras de conteúdo fazendo testes das suas marcas. Algo que embasa meu sentimento sobre as coleções das famosas, aconteceu em minha última visita à Sephora, uns 4 meses atrás. Fui até a loja procurando uma base que ficasse boa na minha pele que tem ressecado demais, mesmo passando muito hidratante. Lá estava eu, nos corredores da Sephora, testando a base da Rihanna, da Ariana Grande, da Selena Gomez, da Lady Gaga, da Hailey Bieber e nenhuma ficava legal. Até que a vendedora se aproximou, perguntou o que procurava. Ela me disse que ali, entre as marcas das celebridades e influencers, eu não encontraria algo que desse o efeito que eu buscava e me levou até as gôndolas de maquiagens mais tradicionais. Ou seja, marcas que nasceram para ser maquiagens, que têm anos de pesquisa, estudos de mercado, até um pouco controversas. O conselho dela foi que o ideal para mim é usar produtos pensados para peles mais maduras, afinal, tenho quase 40 anos. As linhas de maquiagem das celebs são feitas para pessoas jovens, com poder de compra menor, mas que compram em ciclos; para peles que ainda se adaptam a fórmulas que não chegaram em seu acabamento final, portanto podem mudar a cada lançamento. Entretanto, para pessoas mais velhas, não vão performar tão bem. Claro, a diferença também se sente no bolso. Enquanto uma base da Fenty Beauty custa a partir de R$260, uma da Bareminerals, tem o preço mais salgado, e custa a partir de R$350. Ambas marcas veganas, a diferença é que a segunda tem mais anos de mercado e não tem nenhuma celebridade por trás, suas embalagens não são tão modernas ou divertidas, mas são excelentes e, realmente, ficam bem melhor na minha pele que a base da Rihanna. A gente sabe que cada produto desse leva anos para terminar e no fim, é mais uma embalagem plástica que durará uma eternidade para se desfazer. Eu sei também que por mais que uma marca tenha apelo vegano/ambiental, não é e nunca será suficiente seu esforço de conscientização, afinal ela também é um produto do mercado de consumo e para manter-se nas prateleiras, precisa vender e vender bem. No fim, somos humanos e não há nada de errado em querer se maquiar ou se sentir mais bonita. Maquiagem e moda são formas de expressões, portanto, parte do espectro sócio cultural. Aqui, quero deixar a reflexão sobre a necessidade de “precisarmos” de mais um blush, mais um iluminador e, antes de comprar, pensar que talvez o mundo como conhecemos pode durar menos que a sua mais nova paleta de sombra. (SM)
BÔNUS: Ainda no tema consumo, mas agora voltado para mercado de luxo, recomendo demais esse episódio do podcast “É nóia minha”, sobre o “consumo” dos ricos no Brasil. (SM)
TEM QUE LER
“Naquele momento, Serafina sentia em si uma vaca leiteira cansada de aleitar o mundo. Do passado de desespero desenha um futuro ainda mais sombrio.”
O Alegre Canto da Perdiz é um livro e tanto!!! Eu desejei não acabar nunca as 334 páginas de tão prazerosa que foi a leitura. Paulina Chiziane nasceu em Moçambique, se considera uma contadora de histórias (romancista é coisa de colonizador) e ganhou o Prêmio Camões em 2021. Foi daí que tive o primeiro contato com ela. Esse vídeo belíssimo mostra Paulina bem tranquilona conversando no quintal da sua casa.
“Esforço vão, porque os filhos me foram retirados na flor da idade e levados num barco para terras desconhecidas. Talvez estejam vivos. Ou mortos. Sinto que nunca mais voltarei a vê-los. E eram belos, como este José à minha frente. Hoje entendo o sofrimento das cadelas e das cabras quando nós, os humanos, retiramos as suas crias para destinos desconhecidos perante o olhar impotente das progenitoras. Mas um dia virá em que o mundo inteiro se recordará do sofrimento da mãe negra e nos pedirá perdão, pelos filhos que nos roubaram, arrancaram, venderam.”
Um dos estranhamentos que a gente sente no começo é o valor que elas (personagens principais mulheres) dão a ter filha mulher. Quero que você leia para entender melhor como é isso. Faz 4 anos que estamos por aqui encontrando e falando sobre essas ligações entre feminismo e veganismo (ou antiespecismo) e como mais violências do nosso mundo (racismo e etc) estão todas entrelaçadas: não cansamos. Esse livro é ainda mais especial por nos enriquecer com um pouco da história e cultura de Moçambique, outro país colonizado pelos portugueses, semelhanças e diferenças com a nossa história brasileira. As personagens de 3 gerações estão envolvidas e emaranhadas nesse processo de luta, assimilação e sobrevivência.
“ – Lamento a forma original de dizer que te amo – diz o estranho –, nua, rica, pobre, desesperadamente te amo. O amor que sinto encoraja-me a esta loucura. Vou prender-te o coração neste punhal, meu churrasco, minha carne no espeto, para seres só minha. Mato-te se arranjares outro cabrão!”
Às vezes acredito que o gosto pela novela de televisão está no nosso DNA, e nenhuma grande novela pode deixar de retratar “o amor” cilada que lemos acima, ele ainda existe, ainda objetifica e transforma mulheres em pedaços de carne.
Enfim, leitura deliciosa e enriquecedora: vem para o mundo de Paulina você também! (CE)