Olá, vaquinha!
Foi em um Carnaval, há 9 anos, que nós fomos pela primeira vez no Bloco Ritaleena e aprofundamos ainda mais nossos laços. Aliás, a folia pode ser o que você quiser, inclusive um momento de amizade e de leitura! <3
Abraço,
Cassimila e Sarah
VACA PROFANA
Talvez você nunca tenha ouvido falar de Paquita la del Barrio, mas no México, seu nome é sinônimo de vingança, poder e música de karaokê cantada a plenos pulmões. Ícone da música ranchera (algo parecido ao sertanejo), Paquita construiu sua carreira ridicularizando homens e cantando sobre o direito das mulheres de se libertarem de relações medíocres. Em um país onde o machismo ainda dá as caras, ela se tornou a trilha sonora daquelas que cansaram de engolir desaforos.
Se hoje vemos Shakira, Karol G e tantas outras mulheres transformando o fim de relacionamentos em hits explosivos, Paquita já fazia isso nos anos 80 – só que sem metáforas e sem poupar palavras. Sua música mais famosa? Rata de dos patas, onde ela dispara sem pudor e por quase 4 minutos, os mais profanos xingamentos:
"Rata inmunda, animal rastrero, escoria de la vida, adefesio mal hecho."
E quem canta junto? Senhoras mexicanas acima dos 50, que talvez jamais falassem sobre independência feminina no almoço de domingo, mas que, no microfone, soltam a voz sem vergonha alguma. Vá a um karaokê no México e você verá: Paquita é a catarse coletiva, a vingança sonora de quem já foi traída, enganada ou simplesmente cansou da hipocrisia masculina e masculinidade tóxica.
Nascida Francisca Viveros Barradas, em 1947, no estado de Veracruz, sua vida nunca foi fácil. Cresceu em uma família humilde, tentou a sorte na Cidade do México nos anos 70, mas só conseguiu gravar seu primeiro disco em 1984, bancando tudo do próprio bolso. Se tornou um fenômeno porque dizia o que muitas mulheres pensavam, mas não tinham coragem de dizer. Enquanto o México celebrava a figura da mulher recatada e da esposa submissa, Paquita cantava:
"Tres veces te engañé... la primera por coraje, la segunda por capricho y la tercera por placer."
Mas como todo ícone, Paquita também teve suas sombras. Nos anos 2000, fez declarações homofóbicas ao dizer que era contra a adoção por casais gays porque não queria que crianças crescessem vendo homens se beijando. A frase marcou sua história e, anos depois, ela pediu desculpas publicamente. Foi uma artista revolucionária em muitos aspectos, mas também carregava as contradições de sua época.
Paquita la del Barrio faleceu no último dia 17 de fevereiro de 2025. Sua voz continua ecoando, mas seu legado vem com ressalvas. Se podemos aprender algo com Paquita, é que as mulheres têm direito a escolher suas batalhas e a questionar até mesmo aquelas que, um dia, pareciam intocáveis. (SM)
A CLAUDIA CHUTOU A CADEIRA E TÁ EM PÉ
Se tem alguém que realmente não conhece limites e o meme do “senta lá, Claudia” não se aplica, é a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum. Se você acha que esmurrar o laranjão na guerra das taxas e dar aula de história para ele são atitudes pontuais, saiba que não. A gata tá dando um passo ousado: a proibição do cultivo de milho geneticamente modificado no México. A proposta vem em resposta a uma longa disputa comercial com os EUA, que exportam bilhões de dólares em milho transgênico para o país. Mas, para além da política e dos acordos comerciais, essa decisão toca em um ponto central da identidade mexicana: o milho não é apenas um grão, é cultura, raiz e história.
O projeto de Sheinbaum busca garantir que o cultivo do milho no México seja livre de modificações genéticas, protegendo a biodiversidade local e a saúde da população. A proposta não menciona importações por enquanto, o que mantém os Estados Unidos como um dos principais fornecedores de milho amarelo para o país – um produto que representa 95% das importações mexicanas e que é quase totalmente transgênico.
A decisão não surge do nada. O ex-presidente López Obrador já havia tentado barrar o milho transgênico no México, mas perdeu a batalha contra os Estados Unidos no acordo comercial T-MEC. Agora, Sheinbaum propõe uma mudança constitucional para blindar o país desse tipo de cultivo. E, com a maioria do Congresso a seu favor, é provável que consiga.
Mas a questão vai além da biotecnologia. Para muitos mexicanos, o milho transgênico ameaça não só a segurança alimentar, mas a cultura milenar do país, que é autossuficiente na produção de milho branco, aquele que vira tortilha e pamonha, comidas típicas daqui. A preocupação é que o cultivo de sementes geneticamente modificadas possa contaminar variedades nativas, comprometendo a biodiversidade e o sustento de pequenos produtores.
Ao mesmo tempo, o debate não é simples. Defensores dos transgênicos (grandes corporações, leia-se) argumentam que eles aumentam a produtividade e tornam os cultivos mais resistentes a pragas, reduzindo o uso de pesticidas.
Claudia Sheinbaum está comprando brigas em várias frentes – e essa, talvez, seja uma das maiores. O milho no México não é apenas uma commodity, é um símbolo de resistência. E agora, a batalha sobre seu futuro está apenas começando. (SM)
MUSEUS SUPERANDO A VISÃO COLONIAL
Duas exposições em São Paulo estão refletindo sobre meio-ambiente, os rumos da floresta e da sociedade em emergência climática. As duas estão nos últimos dias: corram, é grátis e maravilhoso!
Mupotyra - Arqueologia Amazônica no MuBE: Além de poder ver ao vivo as urnas de cerâmica marajoara datadas entre o ano 400 e 1400 (belíssimas e impressionantes), você pode ver arte indígena contemporânea e ter um panorama histórico do que foi o tempo da ditadura para a floresta (um inferno). Através de peças publicitárias, capas de revista e livros entendemos todo o trabalho de conectar a floresta com atraso e o progresso com a sua destruição. Precisamos mais e mais deixar bem explicado para todos que a Amazônia é rica não só em diversidade, mas em história e sabedoria.
Acima, foto de urna funerária marajoara presente na exposição.
Onde há fumaça - Arte e Emergência Climática no Museu do Ipiranga: misturando o acervo do próprio museu ( vários sinais de devastação vem de longa data) com obras contemporâneas (muitas de artistas indígenas) e grandes tecidos que indicam a evolução das temperaturas em cada capital brasileira (foto abaixo), essa exposição deixa a gente triste e ao mesmo tempo abraçado por saber que não estamos sós. Pensar em um futuro possível exige trabalho, mas pode ser bonito. (CE)
Acima, foto da exposição vista de cima com as partes de cima dos tecidos mais vermelhos porque está mais quente em todas as capitais do Brasil.
Será que a gente podia apenas ir e observar o ritmo do local, ver os peixes sargento que estão por ali de boas sem tirar fotos? (CE)
TEM QUE LER
“María Helena enxugou as mãos — estava descascando pêssegos para uma torta — e encarou Silvina nos olhos.
— As queimas são feitas pelos homens, menina. Sempre nos queimaram. Agora nós mesmas nos queimamos. Mas não vamos morrer; vamos mostrar nossas cicatrizes.”
Nesse mês a dica é de um super livro de contos! O trecho acima é do conto que dá nome a esse livro extremamente envolvente chamado As coisas que perdemos no fogo. Mariana Enriquez é uma grande escritora e jornalista argentina, contemporânea nossa, famosa por seus contos de terror e horror. Veja bem, eu não sou nada nada seduzida por esse estilo, mas aos poucos fui seduzida por Mariana, e quando cai no livro me surpreendi com o tanto que eu gostei! Quero ler tudo dela!
Deixo aqui mais um trecho, agora do conto Sob a água negra, que tem uma personagem promotora buscando justiça em casos de violência policial contra meninos que vivem numa área periférica da cidade e convivem com um rio extremamente poluído.
“Cada vez que se aproximava do Riachuelo, a promotora se lembrava das histórias contadas por seu pai, funcionário durante um tempo muito curto dos frigoríficos da margem: como jogavam na água os restos de carne e ossos e a imundície que o animal trazia do campo, a merda, o pasto grudado. “A água ficava vermelha”, dizia ele. “Dava medo nas pessoas.”
O texto da Mariana é surpreendente, tanto pelos caminhos das histórias, como pelas verdades das personagens. Tudo parece muito maluco e muito real ao mesmo tempo. Aproveitem! (CE)
ESPÉCIE DO MÊS - RAPE ABISSAL (Melanocetus johnsonii)
Recentemente, um peixinho de águas profundas ficou famoso por ser avistado no mar raso, próximo das Ilhas Canárias. Conhecido como diabo negro (pressão estética? racismo? colorismo? tudo junto?), ele era um macho de apenas 3 cm - são as fêmeas de sua espécie que são maiores e chegam a 18 cm. Essa espécie é uma das que possui bactérias simbióticas bioluminescentes (isso é o que eu chamo de luz própria, gatas!) que ajudam a atrair suas presas lá no fundão dos oceanos.
No último Filamentos, projeto que tem encontros para discutir ecologia e literatura, conversamos um pouco sobre a representação da linguagem dos animais. Como animais humanos, não entendemos e nem temos a mínima ideia de tudo que rola entre as diversas espécies. O máximo que podemos fazer é tentar expressar algo.
O que você viu de memes com falas e pensamentos do peixinho parecia fazer sentido? Parecia um esforço sincero de entrar na vivência de um rape abissal? Para mim, não, pois não faltaram mensagens estilo coach para o fenômeno raro (“ensinamentos” e analogias com sair da “escuridão”, eca!). Cientistas sérios falam sobre os possíveis porquês de um peixe abissal aparecer em local tão raso: poderia estar doente, fugindo de algum predador ou pegou uma corrente marítima errada.
O certo é que o peixinho vem da região mais inexplorada do planeta, mas que tem potencial de ser explorada como tudo, infelizmente. As profundezas do oceano já recebem as consequências da nossa vida plástica e da fervura global. Além disso, muitos metais usados na indústria de tecnologia existem por lá em quantidades maiores do que em minas terrestres: apesar da dificuldade logística, a exploração desses metais já começou e vai impactar as várias espécies e habitats dali.
Imagem de uma exposição da Pixar sobre construção de personagens onde aparece o protótipo de uma cena do filme Procurando Nemo com um peixe rape abissal. Créditos da imagem: Davidpar, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0> , via Wikimedia Commons
Correndo o risco, meu palpite para uma fala do peixinho seria:
– Que lugar bizarro! Não dá para enxergar quase nada aqui. Serão esses os malucos que estão jogando um monte de tranqueiras lá em casa? Como são feios! - disse o rape abissal nos seus momentos finais de vida.
Tem um palpite também? Escreve nos comentários. (CE)